
Todos os anos, em 31 de maio, é celebrado o Dia Mundial Sem Tabaco,
que é uma data criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1987,
para chamar a atenção mundial para os riscos à saúde associados ao uso
do tabaco e defendendo políticas eficazes para reduzir o consumo de
tabaco. Nesta data, sempre é escolhido um tema específico, sendo que
para este ano de 2015 o tema foi: “Eliminação do Comércio Ilícito de
Produtos do Tabaco”
O consumo ilícito de produtos do tabaco é sempre um motivo de
preocupação em âmbito mundial, em particular em relação à saúde, ao
direito, à economia, à governabilidade e à corrupção. Há uma negação de
pagamento de impostos, cujos valores poderiam ser destinados à prestação
de serviços públicos.
Calcula-se que um décimo dos cigarros consumidos no mundo são contrabandeados.
Para contribuir com informação ao nosso publico a Acerta Odontologia,
trouxe uma entrevista do Dr. Drauzio Varela com o Dr. Orlando Parisi
que é médico cirurgião do Sírio-Libanês especialista em cabeça e
pescoço, falando magnificamente sobre os males do cigarro para a boca.
Desejamos a todos uma ótima leitura e deixamos aqui registrado nosso engajamento a essa campanha!
Boa Leitura e Até a próxima!
AGRESSIVIDADE DA FUMAÇA DO CIGARRO
Drauzio –
Quais os danos causados pela
fumaça carregada de agentes químicos que o fumante joga na boca dezenas
ou mesmo centenas de vezes ao dia?
Orlando Parisi – A primeira coisa a considerar é que
na fumaça do cigarro não há apenas nicotina e alcatrão. Testes
laboratoriais demonstram nela existirem centenas de compostos
comprovadamente cancerígenos que agridem a mucosa da boca. Além disso,
ela sai do cigarro muito quente. Portanto, os danos à mucosa não advêm
apenas dos agentes químicos, mas também da agressão térmica resultante
da alta temperatura em que a fumaça é absorvida.
Há, ainda, outra agravante. Associar tabaco a bebidas alcoólicas
implica consequências dramáticas, porque o álcool ajuda a dissolver
tanto a nicotina quanto as demais substâncias nocivas presentes no
cigarro, aumentando sua concentração. Mais concentrados, esses compostos
irritam a mucosa e favorecem o aparecimento de lesões na boca que, com o
passar do tempo, podem tornar-se malignas. Quem já não viu um fumante,
numa roda social, dar uma tragada, pegar um copo de uísque ou de outra
bebida qualquer, levá-lo à boca, beber um gole, descansar o copo sobre a
mesa e dar nova tragada sem dar-se conta do mal que está causando ao
próprio organismo.
Drauzio — O cigarro
é uma droga compulsiva, que provoca repetidas, intensas e desagradáveis
crises de abstinência. Como ex-fumante, com toda a sinceridade, não
acredito existir, hoje em dia, dependente de nicotina que não queira
abandonar de vez o cigarro. Como orientar essas pessoas?
Orlando Parisi — De fato, deixar de fumar não é
fácil. Já assisti a todos os tipos de tentativas e de fracassos. Por
isso, encaminhamos essas pessoas para grupos de apoio nos quais
encontrarão profissionais especializados para ajudá-las. Se já houver
uma lesão pré-neoplásica, esse recurso assume valor inestimável, porque
parar de fumar é questão de sobrevivência.
LESÕES PREDISPONENTES PARA O CÂNCER DE BOCA
Drauzio –
Você poderia começar falando das lesões pré-malignas que aparecem na boca?
Orlando Parisi – O câncer da boca basicamente incide
sobre a população masculina, na proporção de três homens para cada
mulher. Por isso, o cuidado maior deve recair sobre os homens na quarta
década de vida e tabagistas. Neles, toda a lesão branca ou vermelha que
surgir na boca precisa ser vista e acompanhada por um médico. O termo
científico para tais lesões é leucoplasias com eritoplasias. São placas
brancas, bem delimitadas, com aspecto mais ou menos característico.
Drauzio — Elas aparecem mais frequentemente em que lugar da boca?
Orlando Parisi — Aparecem na mucosa da bochecha, na
língua ou no assoalho da boca e todo o fumante que notar sua presença
deve procurar auxílio médico o mais depressa possível.
Gostaria de ressaltar, porém, que se atribui maior importância a
essas lesões predisponentes para a gênese do câncer nos Estados Unidos e
na Europa do que nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Aqui,
talvez por falta de rastreamento populacional, em 85% dos casos, quando a
doença é diagnosticada, o tumor está em fase avançada localmente na
boca ou já atingiu os gânglios do pescoço. A terapia indicada nesse
estágio da evolução pressupõe cirurgias mais radicais com impacto
negativo no resultado final, no alto custo e no comprometimento da
aparência física.
Drauzio — Essas lesões sangram necessariamente?
Orlando Parisi — Elas não sangram necessariamente.
Na verdade, são muito heterogêneas na apresentação. Algumas formam um
tumor na boca; outras, uma ferida ulcerada ou uma placa completamente
assintomática. O aspecto é bastante variável. Por isso, qualquer coisa
anormal que se note na boca, em especial na borda da língua, é motivo de
preocupação e um médico deve avaliar o problema.
Drauzio — Os tumores de boca começam sempre por essas lesões ou eles podem instalar-se sem que elas surjam antes?
Orlando Parisi — Às vezes, eles se instalam diretamente sem que o doente perceba a presença de uma lesão pré-existente.
EXAMES PERIÓDICOS COM ESPECIALISTAS
Drauzio — O fumante, mesmo que não tenha nada, de quanto em quanto tempo precisa ir a um especialista para examinar a boca?
Orlando Parisi — No mínimo, uma vez por ano, de
preferência a cada seis meses, o fumante deve submeter-se a exame
rigoroso da cavidade oral. No Brasil, quem examina a boca quase sempre é
o dentista. Infelizmente, nem todas as faculdades de odontologia
preparam esses profissionais para identificar lesões que predispõem ao
câncer. Por outro lado, quantas vezes a pessoa vai a um clínico geral
que a examina com cuidado, mas não usa o abaixador de língua para olhar a
boca o que é uma pena, pois talvez esse fosse o rastreamento
populacional mais barato e simples de fazer, já que requer apenas uma
lanterninha, o abaixador de língua e o olhar atento de um profissional.
Desse modo, não são raros os pacientes que, pouco tempo depois de uma
consulta médica, perceberam alguma coisa estranha na boca durante a
higiene oral, ou, pior, pessoas com lesões embaixo da dentadura que
procuraram o dentista e tiveram a prótese desbastada para acomodar
melhor o tumor que crescia.
Drauzio — Já vi casos de doentes com tumor
embaixo da língua, acompanhados por otorrinolaringologistas, que nunca a
tinham levantado para verificar se havia algo diferente naquele lugar.
Orlando Parisi — Porque isso pode acontecer, é
sempre bom repetir que qualquer coisa estranha que apareça na boca,
principalmente na dos fumantes, deve ser vista com muita seriedade.
INCIDÊNCIA DO CÂNCER DE BOCA
Drauzio — No Brasil, o álcool é barato e muita gente bebe
demais. É interessante notar, porém, que nem todos os fumantes têm o
hábito de beber. No entanto, quem bebe, normalmente fuma muito. Qual o
reflexo desse comportamento na ocorrência do câncer de boca?
Orlando Parisi — De
modo geral, estima-se que aproximadamente 90% dos portadores de tumores
malignos de cabeça e pescoço ligados ao consumo de tabaco e álcool
sejam tabagistas e 70% ingiram álcool com frequência. Na verdade,
existem três fatores de risco principais para essa doença: tabaco,
álcool e má higiene oral.
Não sei se existem dados confiáveis no Brasil inteiro, mas, na região
metropolitana da cidade de São Paulo, ocorre a segunda maior incidência
de câncer de boca do mundo. Só perdemos para a Índia. Em termos
estatísticos, isso significa que em cada cem mil pessoas, cerca de
dezenove desenvolvem câncer de boca.
Outro dado interessante baseia-se nas lesões predisponentes para o
câncer de boca. No Estado de São Paulo, a estimativa é que haja cinco
mil novos casos de câncer de boca por ano. Se considerarmos que a cada
caso correspondem outros cinco de lesões predisponentes que podem
demorar 20 anos para transformar-se num câncer, é possível imaginar que,
em algum momento dessa etapa evolutiva da carcinogênese no Estado,
haverá seiscentas mil pessoas com risco de desenvolver câncer ou com a
doença já instalada.
Drauzio — Haverá especialistas em número suficiente para atender tal demanda?
Orlando Parisi — Em termos estaduais, não sei
avaliar, mas na cidade de São Paulo é grande o número de cirurgiões de
cabeça e pescoço. O grande problema, porém, é que a população de risco
pertence, em regra, a um extrato social economicamente mais
desfavorecido, que enfrenta enormes obstáculos para receber um serviço
de saúde de qualidade. Muitas vezes, quando esses pacientes são
atendidos, as lesões já estão em fase bem avançada. Para se ter uma
ideia, há números que evidenciam a gravidade da situação.
No norte da Europa e nos Estados Unidos, os programas de rastreamento
populacional não obtiveram resultados significativos na redução da
curva de mortalidade ou da incidência do câncer de boca, mas conseguiram
diagnosticar 85% das lesões ainda na fase pré-maligna, evitando que
muitas evoluíssem mal. Aqui, ao contrário, os mesmos 85% representam as
lesões malignas que chegam para começar o tratamento em estágio
avançado. Por isso, defendo que uma política firme e determinada de
rastreamento alcançaria resultados importantes na prevenção do câncer de
boca.
AUTOEXAME E POPULAÇÃO DE RISCO
Drauzio –– Você
acha que o autoexame, isto é, a pessoa examinar a própria boca diante
do espelho, abaixando a língua com uma colher e erguendo-a em seguida,
ajudaria na prevenção da doença?
Orlando Parisi — Acho
útil, mas é pouco provável que o autoexame ajude a pessoa a diferenciar
as lesões benignas das malignas por causa da heterogeneidade de aspecto
dessas lesões. Em relação ao câncer de mama, por exemplo, é fácil
explicar à mulher a importância de apalpar o próprio seio e, notando
algum caroço, procurar imediatamente o médico. Na boca, entretanto, não
existe um único sinal característico de lesão maligna. Por isso,
insisto: percebendo alguma coisa anormal na boca, a pessoa deve procurar
um médico.
Acredito, também, em campanhas de esclarecimento cujo objetivo seja
convencer os fumantes acima de 40 anos e as pessoas com história de
parentes próximos que tiveram câncer de cabeça, pescoço ou de boca, da
necessidade de exames periódicos, uma vez que há certa propensão
familiar para essa espécie de tumor.
Outra população particularmente de risco é a que já teve algum tipo
de câncer de cabeça ou pescoço e está curada. A recidiva costuma ocorrer
em mais ou menos 5% dos pacientes a cada ano que passa. Por isso, o
acompanhamento médico tem de ser permanente nesses casos.
Drauzio — É importante frisar que Dr. Parisi está se
referindo exclusivamente ao câncer nesse local. Isso não vale para
outros tumores. Por exemplo, quem se curou de um tumor de estômago e
está curado, dificilmente terá outro câncer gástrico. Nos tumores de
cabeça e pescoço, em 5% dos casos ao ano, existe a possibilidade de um
segundo tumor primário desenvolver-se nas proximidades do lugar que já
foi tratado. Por isso, mesmo os pacientes já curados não podem
descuidar-se.
ERRADICAÇÃO DO CÂNCER DE BOCA
Drauzio — O que aconteceria se, num passe de mágica, o cigarro desaparecesse da face da Terra?
Orlando Parisi — Na área médica, o
desemprego seria muito grande, porque haveria menos doentes para
atender, já que o cigarro responde pelo surgimento de inúmeras doenças.
No caso específico dos tumores de boca, sem dúvida, eles seriam muito
raros. E isso é apenas parte da equação. Diminuiria, também, a
incidência de câncer de pulmão e de doenças do aparelho
cardiorrespiratório, para não mencionar as outras patologias decorrentes
da adição do fumo.
Se todos levassem a sério os danos que causa à saúde, o cigarro
estaria proibido no mundo inteiro. Mas há quem defenda a não intervenção
sobre o tabagismo. O argumento está nos impostos que sobre ele incidem,
uma fonte de arrecadação nada desprezível. A mais otimista das
análises, porém, indica que para cada real gerado pelo tabaco, o governo
gasta R$1,60 com a saúde dos fumantes. São cifras cruas que consideram
tão-somente as despesas com saúde sem levar em conta outros gastos
maiores. Por exemplo, quanto despendeu a sociedade para formar o
indivíduo que morre de câncer no apogeu profissional, aos 50 e poucos
anos? Quanto vale o tempo que os doentes perdem de trabalho produtivo?
APARÊNCIA DA BOCA DO FUMANTE
Drauzio — Só de olhar a boca de uma pessoa, você é capaz de dizer se ela é fumante ou não?
Orlando Parisi — Sempre há alterações significativas
na boca do fumante. A primeira é a halitose. O mau hálito dos fumantes
tem características muito peculiares. Depois existem os problemas dos
dentes e das gengivas.
Basicamente, o cigarro provoca uma inflamação crônica na mucosa que,
irritada, favorece o aparecimento de lesões predisponentes. Constatado o
problema, a pessoa deve ser avisada do risco que está correndo se
continuar fumando.
Drauzio — Você nota essas alterações mesmo em fumantes jovens de 18 ou 20 anos?
Orlando Parisi — É claro que as alterações são
menores em quem fuma há pouco tempo. No entanto, quanto mais longa a
exposição ao tabaco, mais evidentes elas serão. Cada indivíduo tem uma
capacidade diferente para desenvolver ou não um câncer ligado à
dependência de nicotina. Na realidade, já se tentou correlacionar
linearmente tempo e exposição ao tabaco para justificar o surgimento de
um tumor, mas não se chegou a nenhum resultado preciso, porque o
metabolismo dos agentes carcinogênicos do cigarro difere de pessoa para
pessoa. Sabe-se que certos indivíduos herdaram características genéticas
que os tornam menos vulneráveis aos efeitos do cigarro. Todo doente,
aconselhado a parar de fumar, conta a história de um tio que viveu até
os 90 anos fumando dois maços por dia. Esse privilégio de alguns está
longe de transformar-se numa regra e não garante, em hipótese alguma,
que o risco não exista para os outros membros da família.
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Durante o dia do evento, apresentamos
palestras, destacando dicas de prevenção e como detectar os sintomas
desse problema. Além disso, os participantes receberam panfletos
educativos, bexigas, picolés, refrigerantes, sucos e biscoitos.
As lesões costumam se apresentar em
forma de tumores, úlceras e placas brancas ou vermelhas, podendo
comprometer outros órgãos como o ouvido. Pode ser fatal, caso não seja
detectada a tempo de ser realizado o tratamento. Por isso, o ideal é que
sejam realizadas visitas periódicas ao cirurgião dentista para que ele
faça uma avaliação da sua saúde bucal. A auto-avaliação também é
fundamental para detectar os sintomas.